lunes, 27 de julio de 2009

Crítica de ELDORADO

‘Eldorado’ – Luz e cegueira


A luz perfura o espaço como aço
O personagem adentra a cena

(Dodes’kaden)

(Dodes’kaden)

(Dodes’kaden)

A solidão se confirma
A luz e a cegueira
Se instalam no rosto como praga
Ela não partirá ainda que a chuva chegue

A solidão se instala no rosto
Restam as luzes que perfuram o aço
Dimensionam o espaço

A luz larga chora
A cegueira isola
A voz fala. Ninguém
O corpo se contorce ágil
Mãos em contração
Não há ninguém

“Eu sinto angústia”
Nós sentimos angústia
Onde será que ela não mais está?

Quem não tem medo da noite?

Para onde ir na escuridão que não sonha?

A alma de assum preto canta pouco
Com dor
PoucoTudo pouco
A interpretação é cega
A dramaturgia caminha
Vemos o sertão
Nos rasgos da luz
Sentimos a terra quente e úmida
Nos traços da luz

A mãe ausente ronca
A luz desce goela abaixo,
Se faz espaço e horizontes

“O escuro, este nada apagado que toca meus olhos”
Os olhos ardem nos olhos cegos (do ator)
Os olhos olham
O público relaxa
Mas novamente é abandonado à cegueira
A cegueira da cada espectador

A luz joga
Empurra
Puxa
A luz ilumina
Mas a solidão escura permanece

Busca-se o Eldorado
Mentira
O que se busca é a dignidade
Palavra pouca
Solta
Digna

Os olhos do cego, o olfato
As pistas falsas
Não se encontra o amor

Na escuridão da solidão
Na solidão da escuridão
Na solidão úmida
Na escuridão sólida
Só resta o riso
E rimos

O Eldorado é Carajás
O sonho escuro
O ouro areia
As pistas falsas

A pessoa pequena
O sertão imenso
A luz não guia
É pura potência
Cega

Roland Barthes afirma que para se falar sobre uma obra de arte é preciso realizar outra obra de arte. Para tanto reivindica o direito do discurso crítico ser um discurso artístico autônomo contendo a inscrição do sujeito. Não sendo poeta não me arriscarei mais.
Eldorado, concepção e pesquisa de atuação de Eduardo Okamoto, dramaturgia de Santiago Serrano, direção e iluminação de Marcelo Lazzaratto, tem a duração de 60 minutos. Apenas o personagem sem nome, uma bolsa/rabeca e luzes estão em cena. O sotaque caipira, misturado de outros, vacila. A interpretação passa por cima deste detalhe, se impõe. A dramaturgia leva o público pelo caminho. Há caminho? A rabeca o acompanha como filha, mulher, amante, conselheira. A rabeca o acompanha como rabeca.O personagem caminha às escuras enquanto a iluminação se multiplica simples e (des) territorializante na viagem que “atravessa geografias”, diz o release da peça. Provavelmente proposital, é outra a afirmação do release: “procurou-se exercitar o olhar”, o olhar da cegueira onde a luz perfura o espaço como aço.


Maria Beatriz de Medeiros
Leitora crítica

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