lunes, 21 de febrero de 2011

Tradição e Modernidade: tecnologia e artesanato na criação de “ELDORADO”


Este texto é motivado pelo lançamento do layout de nosso novo site e reflete sobre o uso de tecnologias da informação e algumas possíveis influências sobre as Artes Cênicas. Assim, como a postagem anterior, adapta trechos de meu trabalho de doutoramento em Artes Cênicas na UNICAMP. Para acessar a tese na íntegra, clique aqui.

A experiência de uso da tecnologia da informação a serviço de relações de troca humanas, sendo estas, diga-se o fundamento da linguagem teatral, eu já havia experimentado antes da publicação deste novo site. No início de minhas pesquisas, quando a equipe do trabalho era pequena e eu mesmo organizava as atividades de produção, uma das minhas primeiras tarefas foi a criação do meu próprio site:. Eu, que não tenho nenhuma formação em tecnologia (excetuando-se a genética nipônica que, brincam os amigos, me empurra com facilidade para esta área), pude sozinho, com a ajuda do tópico “Ajuda” do próprio software de produção de sites, produzir meu próprio território virtual. A partir deste sítio, acabei por agendar apresentações internacionais (Espanha, Suíça, Marrocos, Kosovo) e estabeleci muitos contatos inesperados. O site que trata de um trabalho brasileiro, que por muito tempo apresentou como único espetáculo um trabalho sobre meninos de rua, chegou a registrar acessos até mesmo na China, no outro lado do mundo.

O dramaturgo Santiago Serrano, de “Eldorado”, igualmente se surpreende com a divulgação de sua obra pela web. Sua página, também criada por ele mesmo, contabiliza mais de 80.000 acessos do mundo todo. Isto possibilitou que textos seus fossem montados em lugares distantes da sua residência: EUA, México, Espanha, França, Bulgária, Brasil etc.

Diga-se que o processo de criação do espetáculo “Eldorado” valeu-se amplamente da comunicação virtual. Inicialmente, as primeiras fotografias e vídeos de rabequeiros – os artistas populares que inspiraram o trabalho – foram retiradas da Internet. Conheci muitos rabequeiros que efetivamente eu nunca encontrei.

Não obstante a possibilidade das viagens inventadas, dos encontros intuídos, das realidades sonhadas, a Internet possibilitou também os encontros de vida a vida, quando, em Iguape e Cananéia, conheci rabequeiros e construtores de rabeca pessoalmente. A pesquisa de campo só foi possível porque consultei, antes mesmo de partir de Campinas, onde moro, o site do Museu Vivo do Fandango. A web revelava-me um circuito de visitação por casas de artistas populares e salões fandangueiros. Isto garantiu sucesso nos encontros com estes artistas numa viagem com recursos próprios – e, portanto, necessariamente rápida, já que eu não poderia me afastar por muito tempo de outros ambientes de trabalho e mesmo não poderia custear uma longa estada naquelas cidades.

Vale dizer que, durante a própria pesquisa de campo surpreendi-me com o uso de tecnologia pelos próprios artistas da tradição popular. Não me refiro somente às técnicas que cada um usa para criar a sua própria arte (o conhecimento que cada um gera para tocar ou construir um instrumento da sua própria maneira). Refiro-me também ao uso de expedientes da pós-modernidade.

O Seu Benedito Nunes, de Iguape, por exemplo, mostrava-me orgulhoso que a sua rabeca trazia já embutido “um chip” (referia-se a um captador), que permitia uma conexão rápida com mesa e amplificador de som. Além disto, hoje, a busca por vídeos no portal YouTube apresenta uma grande quantidade de rabequeiros e manifestações populares em que a rabeca se insere. Há, inclusive, mestres rabequistas que têm sua própria área no portal MySpace, que prima pelo compartilhamento de trabalhos artísticos, sobretudo de música.

A tradição é pós-moderna: antecipou importantes referenciais da produção erudita da cultura (é o caso, por exemplo, de uma das marcas do atuante contemporâneo, cujo trabalho se pauta pela não especialização entre atores, bailarinos e cantores) e não abre mão da tecnologia para criar ondas cada vez maiores e mais intensas de relação humana.

Por fim, pela navegação na rede, ainda pude chegar a Buenos Aires, cidade que eu não conheço pessoalmente e estabelecer uma parceria com o dramaturgo argentino. Se eu me deixei levar pelas muitas fabulações possíveis, finalmente, eu convidava alguém que morava longe de minha casa a viajar comigo. Desta maneira, eu não só me permitia atravessar pelas realidades vividas ou inventadas, mas procurava também atravessar um outro, que também fabulava suas próprias jornadas. “Eldorado”, aprendi, é encontro que se vale de recursos diversos para acontecer.


Eduardo Okamoto
20 de febrero 2011
http://www.eduardookamoto.com/2010/?tag=espetaculo-eldorado

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