Dois achados numa noite limpa
Antes que seus laboriosos neurônios se confundam ou que desejem intimamente assassinar o pobre rabiscador por trás destas palavras, aviso: ontem assisti a dois espetáculos. Oh! Como assim? Não entendo? Estou surpreso! Explique-se, por obséquio. Logo após o término indesejado de Balada de um Palhaço, começou outro espetáculo no mesmo local, porém em diverso horário. O espetáculo foi Dinossauros, um texto do argentino Santiago Serrano, apresentado pelo Grupo Cena, com os atores Carmem Moretzsohn e Murilo Grossi. Porque dei essa ficha técnica tão súbita? Remeto todos os interessados a um texto meu, já publicado, chamado Sinfonia Nhéc. Neste humílimo rabiscar de palavras, falo do mesmo espetáculo. Danilo, então porque saturar nossos olhos com outro texto que não há de acrescentar nada às nossas vidas? Porque, como fica claro no outro texto, eu não assisti ao espetáculo verdadeiro, portanto, não pude falar dele. Coisa para a qual estou apto agora.
Uma renda de Sevilha, uma pintura chinesa feita com nanquim e bico de pena, uma rosa de estufa, uma tulipa... Muitas são as metáforas possíveis, nenhuma elucidativa. As metáforas usualmente mais encobrem que aclaram. Algo de singela, rara beleza. Um espetáculo de delicadeza sem par.
O cenário é uma parada de ônibus qualquer, a ocasião é uma madrugada indefinida. Neste ambiente tão pouco hospitaleiro dois desconhecidos acabam por se encontrar. Há tamanha afinidade na miudeza cotidiana dos dois que um amor, também tecido com simplicidade, acaba nascendo ali. Eles comem, riem, dançam, brincam de pular carniça, apaixonam-se. E não há no mundo ser humano capaz de não se apaixonar por eles.
A existência pequena, humílima dos dois, é transformada na mais pura poesia. A violência aqui nasce do lirismo, da imponderável pequenez de algumas vidas. Ambos seriam considerados indignos de figurar numa galeria de notáveis. E verdadeiramente o que há de notável neles é a desimportância extrema de suas existências. E é neste ponto exato, neste pequenino trecho de gloriosa vida simples que nós vamos encontrar uma força poética incalculável.
Há um embate fenomenal entre os atores, cada um tentando ser mais sutil, mais delicado, mais preciso e precioso no que faz. E sou obrigado a declarar um divino empate.
Na infausta anterior possibilidade que tive de assistir a esse espetáculo alguns problemas ocasionados pela minha muito mal-afamada incúria deram-me uma impressão distorcida e ignorante. Novamente, remeto, quem quiser conhecer o caminho que vai da extrema ignorância à mais honrosa iluminação espiritual possível, a meu texto anterior sobre o espetáculo. Percebam com a nitidez das fontes de água pura que eu não vi a delicada construção dos personagens, não consegui acompanhar a hilariante história que eles viviam. Desta vez tudo se fez luz. O que estupidamente atribuíra a certo retardo ou quem sabe à infantilização excessiva de Silvina, era tão somente a ingenuidade; que a aproximava das crianças, sim, mas sem nenhum exagero distorcivo.
É de estarrecer que uma peça tão leve, tão delicada tenha conseguido em minutos arrebatar completamente o público. Geralmente, apenas as grandes emoções arrebatam. Não aqui. Aqui as vidas miúdas, as emoções simples, a beleza singela conseguiram colocar o público nas pontas das cadeiras. Dócil, o público ria quando havia do que rir, e parava suspenso quando um drama proporcional às miúdas emoções surgia.
Fantástico o encontro de uma solteirona infantil e ingênua com um funcionário desimportante de um cartório que apanha da mulher. Dois seres gentis e inocentes, fora do nosso tempo. Dois seres que não viveram suas vidas e desvelam numa madrugada a beleza dessas existências discretas. Como uma fotografia antiga, toda a peça era genialmente frágil. A desintegração de todo aquela sutil teia de aranha estava ali à espera de uma mão mais pesada e descuidada para ocorrer. Felizmente não ocorreu.
Toda perfeita foi a noite de ontem. Duas peças lindas, dois pares de atores excelentes. Dois reencontros com peças já vistas. Duplamente abençoado por Deus eu devia estar.
Uma renda de Sevilha, uma pintura chinesa feita com nanquim e bico de pena, uma rosa de estufa, uma tulipa... Muitas são as metáforas possíveis, nenhuma elucidativa. As metáforas usualmente mais encobrem que aclaram. Algo de singela, rara beleza. Um espetáculo de delicadeza sem par.
O cenário é uma parada de ônibus qualquer, a ocasião é uma madrugada indefinida. Neste ambiente tão pouco hospitaleiro dois desconhecidos acabam por se encontrar. Há tamanha afinidade na miudeza cotidiana dos dois que um amor, também tecido com simplicidade, acaba nascendo ali. Eles comem, riem, dançam, brincam de pular carniça, apaixonam-se. E não há no mundo ser humano capaz de não se apaixonar por eles.
A existência pequena, humílima dos dois, é transformada na mais pura poesia. A violência aqui nasce do lirismo, da imponderável pequenez de algumas vidas. Ambos seriam considerados indignos de figurar numa galeria de notáveis. E verdadeiramente o que há de notável neles é a desimportância extrema de suas existências. E é neste ponto exato, neste pequenino trecho de gloriosa vida simples que nós vamos encontrar uma força poética incalculável.
Há um embate fenomenal entre os atores, cada um tentando ser mais sutil, mais delicado, mais preciso e precioso no que faz. E sou obrigado a declarar um divino empate.
Na infausta anterior possibilidade que tive de assistir a esse espetáculo alguns problemas ocasionados pela minha muito mal-afamada incúria deram-me uma impressão distorcida e ignorante. Novamente, remeto, quem quiser conhecer o caminho que vai da extrema ignorância à mais honrosa iluminação espiritual possível, a meu texto anterior sobre o espetáculo. Percebam com a nitidez das fontes de água pura que eu não vi a delicada construção dos personagens, não consegui acompanhar a hilariante história que eles viviam. Desta vez tudo se fez luz. O que estupidamente atribuíra a certo retardo ou quem sabe à infantilização excessiva de Silvina, era tão somente a ingenuidade; que a aproximava das crianças, sim, mas sem nenhum exagero distorcivo.
É de estarrecer que uma peça tão leve, tão delicada tenha conseguido em minutos arrebatar completamente o público. Geralmente, apenas as grandes emoções arrebatam. Não aqui. Aqui as vidas miúdas, as emoções simples, a beleza singela conseguiram colocar o público nas pontas das cadeiras. Dócil, o público ria quando havia do que rir, e parava suspenso quando um drama proporcional às miúdas emoções surgia.
Fantástico o encontro de uma solteirona infantil e ingênua com um funcionário desimportante de um cartório que apanha da mulher. Dois seres gentis e inocentes, fora do nosso tempo. Dois seres que não viveram suas vidas e desvelam numa madrugada a beleza dessas existências discretas. Como uma fotografia antiga, toda a peça era genialmente frágil. A desintegração de todo aquela sutil teia de aranha estava ali à espera de uma mão mais pesada e descuidada para ocorrer. Felizmente não ocorreu.
Toda perfeita foi a noite de ontem. Duas peças lindas, dois pares de atores excelentes. Dois reencontros com peças já vistas. Duplamente abençoado por Deus eu devia estar.
Danilo Danilovitsch
http://totalmenteseculoxviii.blogspot.com/2010/11/dois-achados-numa-noite-limpa.html
Prezado Santiago,
ResponderEliminarCreo que no haya leído mi comentario. Blogger, a veces, no me quiere como le quiero a él. Escribo aquí nuevamente aquel que ya escribiera: me siento conmovido de que creyera mi texto como algo que a sus lectores pueda interesarles. Haber cambiado de opinión no es nada de anormal. Mi primer experiencia ha sido algo terrible: una vieja se ha dormido a mi derecha y roncaba, el publico no se quedava en sus sillas, un bebe tuve ganas de llorar... Enfín, aunque tuviera tantos problemas he notado que debiera ser un bellísimo espectáculo. Y Diós me dió la oportunidad de reverlo. Solo puedo reiterar lo que he dicho: divino.
Abrazos
Danilo Danilovitsch.
(desculpe el malo del español)