domingo, 23 de marzo de 2014

DINOSSAUROS no Espaço Cena

março 22, 2014 ~ Lucio in the sky


Há muito tempo que eu estava querendo assistir ao espetáculo Dinossauros, em cartaz na cidade em curta temporada no Espaço Cena, este fim de semana, em comemoração aos nove anos da montagem. Hoje é o último dia para conferir o trabalho dos atores Carmem Moretzshnh e Murilo Grossi sob direção de Guilherme Reis, antes de o trio ir para Portugal, onde participam de uma turnê teatral. Acho que só eu que não tinha visto a peça, mas na última quinta-feira, esse erro finalmente foi reparado para meu deleite. E que surpresa. Confesso que faz tempo que não via um texto tão bem interpretado. Aliás, há muito tempo que um texto no teatro não me emocionava tanto e quando saí da sessão a pergunta que me veio à cabeça foi: quem é esse Santiago Serrano, o autor? Que sensibilidade, que delicadeza!

Bem, do começo ao fim da trama a simplicidade impera em todos os quesitos e o segredo de Dinossauros mora justamente aí. Ou seja, tudo é menos, menos e menos. E por isso mesmo é que comove, sensibiliza e é de uma cumplicidade envolvente. No palco do intimista Espaço Cena, num primeiro momento, apenas um banco contra um fundo azul céu e uma mulher em estado aflitivo, é o ponto de ligação entre o público e a peça.

A fragilidade da figura sentada ali, nesse banco de praça, na calada da noite, é visível, incomoda e esse torpor de insegurança e impotência é quebrado com a chegada de um solitário estranho e seus pertences. Ele lembra a figura de um caixeiro viajante, com a maleta numa das mãos e um jornal debaixo do braço. E tudo o que ele quer mesmo é ler o seu jornal sob a luz simpática e convidativa de um poste. Mas sua figura pesada e triste assusta a jovem temerosa sentada nesse banco de praça, perdida em seus devaneios e tormentos.Espaço cena

Logo, os dois estranhos, que antes se comunicam por meio de gestos silenciosos que dizem mais do que palavras, dão início a um diálogo truncado, cheio de insinuações e suspense, mas aos poucos a distância virtual e simbólica que os separam é quebrada.  “Porque o silêncio me assusta”, justifica a jovem, interpretado por Carmem Moretzsonh com uma ingenuidade de corta o coração.

A cumplicidade, o entrosamento e a segurança de palco dos atores Murilo Grossi e Carmem Moretzsonh é algo que cativa desde os primeiros momentos de Dinossauros e, até por isso mesmo, não tem como se deixar levar pelos dramas desses personagens meio que beckettiano, meio que chapliniano, mas malditos em suas tragédias pessoais. “Sou um homem que apanha”, murmura o personagem de Murilo Grossi, quase sufocado em sua condição vergonhosa, num casamento à deriva. “Foi necessidade? Porque se foi por necessidade é menos grave”, se deixa enganar a jovem, após uma troça do companheiro de praça e banco, que se faz passar por foragido da polícia.

A doçura do texto de Santiago Serrano impacta, sobretudo nos dias de hoje, o que nos faz parecer que o dramaturgo escreveu a trama com a cabeça em uma época que não é a que vivemos. Mas numa época em que as pessoas trabalhavam em ferrovias, carimbava documentos em cartório e tocava acordeom do avô.

Emocionei muito com o espetáculo Dinossauros, que deixou solto em algum lugar da minha memória a recordação de algo que vi com essa proposta tão intimista e tocante em algum lugar. Não sei se no cinema ou no teatro mesmo. Uma pena eu ter levado tanto tempo para ver a peça. Sinto-me com a alma lavada. Não nada mais comovente, surpreendente e urgente do que o afeto entre os estranhos.

* Este texto foi escrito ao som de: Echo & the Bunnyme live in Liverpool (2002)

http://luciointhesky.wordpress.com/2014/03/22/dinossauros-no-espaco-cena/